terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Supremacia superior e consciente

Há pouco pus-me aqui a pensar, ou, para ser de facto mais preciso e verdadeiro, a reflectir (fica sempre bem empregar a palavra reflectir). Em que reflecti então?após ter terminado o manipulador programa "verde" que estava a ver, no canal Odisseia, sobre as selvas da Ásia e as montanhas da Venezuela.
Então não é que aquele canal e nomeadamente aquele programa em especial, têm como fundamento e objectivo primário, a maldicênciVai daía e a difamação da magnífica espécie humana.
Ah o Homem, esse vulto da modernização e do progresso, que durante milhares de anos foi vítima da crueldade premeditada dos animais, da frieza assassina desses hediondos predadores, pobre coitado que mais não fez do que se aperfeiçoar e começar a vingar-se de todos aqueles que ameçavam a sua vida.
Fez ele se não bem, isso sim.
Vai daí a começar a matar animais atrás de animais, ora para se alimentar, ou para se aquecer, ora para praticar a sua arte tão nobre e competitiva.
Os relatos são milenares, pois então não vamos mais longe, a célebre frase que antecede a cerimónia da comunhão na missa, "Eis o cordeiro,vejam bem, o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo." Pois é, se a memória não me falha, foi o profeta maomé que sacrificou um cordeiro ao senhor, ou melhor, ofereceu-o à Entidade, para que este se banqueteasse sózinho desde a lãzinha, não vá o Pobre Coitado ter friozinho nas perninhas, até aos ossinhos, que não lhe fiquem atravessados na garganta, que o Todo Poderoso, tem muito para dizer por esse mundo fora.
Não satisfeito com isso, lá segue o ser supremo com o seu périplo pela conquista do território físico que até então havia sido dos animais, o seu Arqui-Inimigo, e que agora passaria a ser, legítimamente é claro, seu, pois claro, ora de quem mais havia de ser.
Pois é este o princípio, daquilo a que hoje chamamos de forma tão curriqueira, vulgar, Globalização.
Daí para a frente, foi então o ver se te havias, para escolher os sítios a conquistar, tamanhas eram as possibilidades, a expansão estava posta em marcha, objectivo, destruir florestas, serras, montanhas, oceanos, rios, céus, subsolos, planícies, vales, ui, era só escolher, e manter tudo em segredo, não fossem as galinhas, pintos, cães de trazer por casa, ou mesmo as formigas e baratas não convidadas mas muitas vezes toleradas nas nossas casas, bem como, as mosquinhas que por lá gostam de bisbilhotar.
Daí, desse tempo, nasceu a expressão, queria ser uma mosca para saber o que se está a passar.
Portanto, era uma missão megalómana, era sim senhor, impossível? Não, para o senhor Homem, tudo é possível.
Foi assim que começou a destruição do mundo que existia outrora, e que agora mais não é que uma manta de retalhos, uma série feliz, de cortes e recortes, colagens e estampagens do magnífico local que em tempos existiu.
Enfim, o que seriamente me aflige é que a supremacia auto imposta, assim o é, por ser conscientemente assumida e defendida, ele há com cada uma que até parecem duas.

sábado, 1 de agosto de 2009

Pasteis de Nata

Naquela tarde Lisboa cheirava impressionantemente a pastéis de nata.
Quando digo pastéis de nata, são mesmo pastéis de nata e não pastéis de Belém, é importante que se perceba já aqui, neste preciso momento, do que estou a falar. Podem pensar que se trata de umpreciosismo pateta e elitista, duma intransigência pateta, ou mesmo que se trata de um manifesto anti-pastéis de Belém, mas estão redondamente enganados. O que pretendo é fazer com que a visualização a que vão ser sujeitos, não seja afectada por uma distorção da matéria prima, isto é, por uma errada projecção mental, seja lá do que quer que eu esteja a falar.
Ora, esclarecimentos feitos, retome-se então a corrente da acção, que ia tão bem.
Naquela tarde, Lisboa cheirava impressionantemente a pastéis de nata.
Era como se a capital tivesse sido invadida por um Exército de massa folhada e creme de natas, quente, não muito, mais para o morninho, ou então tratava-se de alguma tentativa garantida, de bater um recorddo guinness, dos quais somos especiais adeptos, pois não passam 2 semanas sem que alguém tente bater um record do guinness. Ele são as feijoadas, os pães com chouriço, as broas, as bandeiras humanas, o logotipo do modelo com o Toni Carreira a cantar, as peregrinações a Fátima, eu sei lá...
Mas voltando ao essencial, Lisboa estava deliciosamente apetecível. Estava um dia quente de verão, daqueles que Lisboa tem, tantas vezes. Os estrangeiros, saídos dos cruzeiros, das residenciais, dos autocarros, dão centros comerciais, das praias, ou dos jardins comescaldões de fazer inveja a muito boa gente, estavam absolutamente deliciados, à beira Tejo, observando os peixes estranhos que comem toda a merda que lá encontram. bebiam-se cervejas como se não houvesse amanhã, pairava uma estranha aura que nunca antes se vira.
A cidade estava invadida por uma estranha praga de pessoas bem dispostas, que tinha vindo a crescer com o passar das horas. Pessoas sorridentes, bem educadas, simpáticas, cordiais, carinhosas e gentis. Corria pelas ruas que ainda não se tinha ouvido uma buzina de automóvel, autocarro, camião, táxi, durante toda a manhã, que tudo estava surpreendentemente bem.
Não se passavam multas, não se ofendiam as mães de ninguém, não se estacionava em cima do passeio, parava-se nas passadeiras, os restaurantes e cafés estavam cheios, a comida era sempre boa, os políticos não tinham discutido absolutamente nada na assembleia, melhor do que isso, estavam no miradouro do adamastor no bairro alto, em mangas de camisa, a beber imperiais sentados na relva.
Aliás, esta foi de resto a abertura de um dos jornais diários.
Os estrangeiros, recebiam à saída dos sítios de onde vinham uma colher de café.
Subitamente, de todas as ruas, saíam carros alegóricos com tabuleiros e tabuleiros, centenas, milhares, centenas de milhar, milhares de centenas de pastéis de nata, quentes, não muito, assim mais para o morninho.
Foi o dia em que Lisboa esteve de folga.
Acorda.
Quem eu?
Sim tu Lisboa, acorda que te estão a encher de mimos e tu nem dás por nada.
O quê pá? Tu não estás nada bem.
Então tiveste o dia todo a dormir, nem os carros apitavam, os políticos não trabalharam, os taxistas não enganaram, os turistas provaram, e eu também.
Estavas de comer e chorar por mais, não queres de ficar mais um dia em casa? Amanhã até é sexta-feira, fica que o povo agradece.
Não, que esta cidade sem mim não é a mesma coisa.
Vê lá tu que hoje nem sequer acidentes de automóvel tivemos, nem um!
Nem pessoas a dar entrada nos hospitais, nem nenhum funeral, nem chamaram os bombeiros, nem a polícia, nem o nadador salvador, nem o OK teleseguro...
E achas que isso é bonito, basta eu dormir até tarde que viram logo a casa de pantanas, por estas e por outras é que eu não como pastéis de nata, vendo-os todos.